quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Debate sobre doença de Chagas reúne profissionais e pacientes na Fiocruz

Apesar de negligenciada e com um apoio muito incipiente do governo, os avanços que conseguimos nos últimos 30 anos no tratamento da doença de Chagas, aqui no INI, construindo um processo de atenção integral para todos os nossos pacientes, tornou a nossa instituição uma referência nacional”, destacou o diretor do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), Alejandro Hasslocher, na abertura da Roda de Conversa sobre a Doença de Chagas, realizada em 25/8.
A atividade foi uma iniciativa inédita e reuniu profissionais e pacientes do Laboratório de Pesquisa Clínica em Doença de Chagas para esclarecer questões clínicas sobre essa infecção e explicar o tratamento que é oferecido na instituição. Coordenadas pela cardiologista Andréa Silvestre de Sousa, as exposições tiveram como foco os usuários, com o objetivo de criar um ambiente no qual as dúvidas acerca da doença pudessem ser esclarecidas da forma mais didática possível. Este foi o primeiro de uma série de encontros que a equipe do Laboratório pretende promover ao longo dos próximos meses, aproximando ainda mais os usuários do Sistema de Saúde com a equipe médica responsável por todo o tratamento.
Alejandro Hasslocher, especialista no tratamento etiológico da doença de Chagas, lembrou de um estudo realizado em 1992, no qual foi demonstrado que pacientes de Chagas em tratamento no INI viviam, em média, 15 anos a mais que aqueles tratados no resto do país, ressaltando a eficiência dos tratamentos pioneiros oferecidos no Instituto. “Buscamos sempre o melhor para a vida dos nossos pacientes. Entendemos que esta é uma doença crônica muito estigmatizada e, por isso, não medimos esforços para que os nossos pacientes tenham o melhor acolhimento aqui”, afirmou.
Afinal, o que é a doença de Chagas?
A doença de Chagas recebe esse nome em homenagem a seu descobridor, o pesquisador brasileiro Carlos Chagas, que encontrou durante expedição à pequena Cidade de Lassance (interior do Estado de Minas Gerais), em 1909, não apenas o vetor (inseto conhecido popularmente como “barbeiro” - gênero Triatoma), mas também o agente etiológico da doença (o protozoário Trypanosoma cruzi) e descreveu sua patologia. Chagas trouxe uma série de pacientes para serem tratados no Hospital de Manguinhos (atual INI/Fiocruz), criado no início do século, no campus da Fiocruz.
Coube à pesquisadora Andréa Silvestre fazer uma apresentação mais teórica sobre a doença e seu ciclo de transmissão. Em geral, os pacientes são contaminados quando são picados pelo inseto, que se alimenta de sangue e deposita suas fezes sobre a pele. A picada provoca coceira, o que facilita a entrada do Trypanossoma no organismo, mas a infecção pode ocorrer também através da mucosa dos olhos, do nariz e da boca ou por feridas e cortes recentes na pele. Outros mecanismos de transmissão são as transfusões com sangue de doadores portadores da doença, a transmissão vertical via placenta (mãe para filho), a ingestão de alimentos contaminados ou consumo de alguns sucos (como goiaba ou caldo de cana, ou mesmo o açaí) produzidos de forma artesanal e provenientes de regiões endêmicas, ou acidentalmente em laboratórios.
Existem mais de 100 espécies diferentes de barbeiro espalhados pelas Américas, sendo possível encontrar oito tipos no Rio de Janeiro. Na década de 80, a doença chegou a alarmantes 30 milhões de casos nas Américas. Atualmente, no Brasil, são cerca de 1.5 milhão de casos registrados. “O diagnóstico é feito a partir de exame de sangue com sorologia específica para Chagas. Todos os postos de saúde do Rio podem solicitar o exame e as análises são realizadas no INI/Fiocruz, centro de referência para a doença no Estado”, explicou Andréa. Ainda não existe uma vacina contra a doença e sua incidência está diretamente relacionada com as condições habitacionais e os cuidados na conservação das casas e seu entorno. No momento, a melhor forma de prevenção é o combate ao inseto transmissor.
A doença de Chagas é conhecida por dois estágios: agudo e crônico. A fase aguda pode apresentar sintomas moderados, como febre, coceira e vermelhidão na pele e ainda dor de cabeça, por exemplo, que podem desaparecer sozinhos. Se eles persistirem e não forem tratados, a doença pode evoluir para sua fase crônica, mas somente após a fase de remissão. Podem-se passar de anos a décadas até que outros sintomas apareçam, e possam evoluir para sérios problemas digestivos e/ou cardíacos. “É importante deixar claro que aqueles que desenvolverem algum problema por conta da doença não vão morrer de Chagas. A desmistificação da doença é fundamental. Existem duas fontes de tratamento da infecção. A primeira, ainda no começo (fase aguda) é feita através da medicação benzonidazol. A segunda é o tratamento dos problemas causados pela infecção, seja no coração, esôfago ou intestino. O paciente que faz o tratamento recomendado corretamente, com alimentação saudável, atividades físicas, fortalecimento do sistema imunológico e uso adequado das medicações prescritas para seu problema, terá uma vida normal”, enfatizou Andréa.

Diagnóstico e tratamento
O Hospital Evandro Chagas é a referência estadual no atendimento aos casos de Chagas no Rio de Janeiro. Funcionando das 8h às 17h, todo paciente para ele encaminhado realizará exames no mesmo dia – coleta de sangue e eletrocardiograma, após passar pelo pronto atendimento médico. O retorno do paciente é marcado para 30 dias após esse primeiro contato, para obter o diagnóstico final. O pesquisador Luiz Henrique Sangenis informou que, em 90% dos casos de infecção, as pessoas não sabem que estão com a doença. “Nós não conseguimos identificar quem pegou ou não pegou porque, na maioria das vezes, só 10% vai manifestar algum tipo de sintoma. Somente depois de 20 ou 30 anos, com a pessoa já adulta, é que as manifestações clínicas da doença vão aparecer. E essa é a fase crônica, que pode ter três formas: indeterminada, cardíaca ou digestiva, podendo haver ainda a mista cardíaca/digestiva”, ressaltou.
A fase indeterminada ocorre nas pessoas com mais resistência aos protozoários que estão adormecidos no corpo e não são tão agressivos. Em 60% dos casos não há nenhum tipo de sintoma para o paciente, que leva uma vida normal, 30% desenvolve alguma doença no coração e em 10% ocorrem problemas digestivos.
Características das formas cardíaca e digestiva
O cardiologista Roberto Saraiva apresentou um estudo realizado com os pacientes portadores da doença de Chagas do INI/Fiocruz entre 2013 e 2016. Ao todo foram avaliadas 619 pessoas, sendo 180 (29%) diagnosticadas com a forma indeterminada, 343 (55%) na fase cardíaca, 34 (6%) digestiva e 62 (10%) a forma mista cardíaco-digestiva. A forma mais significativa em termos de limitação para os doentes é a cardíaca, podendo apresentar alterações eletrocardiográficas, como uma síndrome de insuficiência cardíaca ou arritmias. Seus sinais e sintomas são palpitação, falta de ar, edema, dor no peito, tosse, tonturas, desmaios, acidentes embólicos, arritmias e sopro cardíaco. Exames como o raio-x de tórax, eletrocardiograma ou holter são fundamentais para revelar possíveis problemas no coração.
O cirurgião Fernando de Barros informou que os problemas mais recorrentes na forma digestiva são o megaesôfago (que acomete de 3 a 13% dos pacientes) e o megacólon (3,1 a 10%). São sinais e sintomas do megaesôfago: disfagia (dificuldade para engolir), regurgitação, dor de estômago ou dor no peito, dor para engolir, soluço, excesso de salivação e emagrecimento. O megacólon se caracteriza por constipação intestinal (instalação lenta e insidiosa) e distensão abdominal. Os exames radiológicos são importantes no diagnóstico da forma digestiva da doença.
Tratamento
Existe apenas um único medicamento para tratar a doença de Chagas, conhecido como Benzonidazol. O remédio, lançado em 1972, é distribuído gratuitamente pelo Governo Federal e ministrado na fase aguda da doença - que dura em média dois meses – e tem um índice de cura de 70%. “No INI, aproximadamente 300 pacientes que passaram pelo nosso serviço fizeram uso do medicamento e 20% deles continuaram positivos para a doença”, informou Sangenis. O médico explicou ainda que existem uma série de contraindicações para que o paciente não receba o medicamento, uma vez que não há evidências científicas de que o mesmo traz benefícios na fase crônica, que pode durar o resto da vida da pessoa infectada, tais como: ter mais de 50 anos, possuir alguma cardiopatia e não estar mais na fase aguda.
“Nossa experiência revela que quem chegar aos 50 anos na fase indeterminada não vai ter mais uma progressão da doença, pois ela já está com o Trypanosoma cruzi há mais de 35/40 anos e o medicamento não fará efeito algum”, destacou. Outro ponto apresentado pelo médico é o alto índice de efeitos colaterais da droga, podendo chegar a 40% nos casos ministrados e ocasionando problemas como reações dermatológicas, neurite periférica, dores de cabeça, barriga ou anemia e até mesmo hepatite ou nefrite.
“Os melhores resultados com o uso do Benzonidazol são obtidos em adultos e crianças na fase aguda, (cura na maioria dos casos), crianças que tiveram transmissão congênita (mãe grávida), mulheres em idade fértil (para reduzir as chances de transmissão congênita), crianças e adolescentes maiores de 12 anos, pacientes na forma crônica indeterminada com idade inferior a 50 anos e pacientes imunossuprimidos (com Aids ou câncer, por exemplo)”, concluiu Luiz Sangenis.
Acolhimento e educação em saúde
Nem só em dados clínicos e científicos a Roda de Conversa sobre a Doença de Chagas foi concentrada. O acolhimento oferecido no INI/Fiocruz esteve presente com o comparecimento em peso dos pacientes do Laboratório de Pesquisa Clínica em Doença de Chagas. Maria Fonseca, paciente que está há 19 anos em tratamento no Instituto, considera os profissionais que a atendem uma extensão da família. “Aprendi a conviver com essa doença aqui no INI. Fui convidada pela equipe para compreender melhor esse problema. Eu faço exames e exercícios de reabilitação regularmente, tenho minhas consultas mensais e só tenho que pedir a Deus que protejam todos os doutores e enfermeiras daqui”, disse.
A Auxiliar de Serviços Gerais que atua junto à equipe de cardiologia há quatro anos, Maria Aparecida, revelou que, por pior que seja a doença, ela vê alegria no rosto dos pacientes quando estes encontram com a equipe para realizar os exames e exercícios. “O atendimento aqui é muito bom e eu recomendo sempre quando ouço alguém falar que pode ter algum dos sintomas da doença. Fui convidada a assistir a atividade e foi um excelente aprendizado para mim, porque assim posso transmitir para outras pessoas o que escutei e ajudar outros que não tiveram tal oportunidade”, afirmou.
Um dos momentos mais emocionantes do evento foi a participação de dois pacientes que passaram por transplante de coração em decorrência da doença. José Osmar, operado há quatro anos, teve a oportunidade de carregar a tocha olímpica graças a seu novo estilo de vida, uma vez que deixou o cansaço e a falta de ar de lado e agora participa de corridas de rua e trilhas pelo Rio de Janeiro. “Essa equipe multidisciplinar é a melhor possível. Comecei meu tratamento aqui, fiz a cirurgia, continuo paciente e é graças a eles que levo uma vida normal hoje”, destacou. Já João Guedes, transplantado há três anos, fez questão de agradecer a cada integrante da equipe por todos os momentos em que estiveram cuidando de sua saúde desde que iniciou tratamento no INI/Fiocruz.
Encerrando a atividade, o chefe do Laboratório de Pesquisa Clínica em Doença de Chagas, Mauro Mediano, informou que esse foi o primeiro de muitos encontros que estão sendo organizados por sua equipe. “Estamos felizes com essa oportunidade e dando início a todo um processo de trabalho de educação em saúde. Em breve vamos marcar novos encontros, pois este será um processo contínuo. Além desses momentos formais, fiquem à vontade para procurar nossa equipe diariamente e tirar quaisquer dúvidas que vocês tenham. Nossas portas estão sempre abertas”, concluiu.
Fonte: Blog da Saúde

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