Quando o filho tinha dois anos, a aposentada Marisa Furia Silva observou mudanças em seu comportamento. “Ele parou de falar o que já falava e começou a dar cabeçadas no chão e na parede. Fui numa psicóloga e ela deu o diagnóstico. Eu nem sabia o que era autismo. Dois neurologista confirmaram o diagnóstico depois”, conta Marisa. Renato hoje tem 38 anos.
A aposentada descobriu o autismo do filho em 1980. Naquela época, as pessoas não tinham a facilidade de acesso a informação que existe hoje. Pela falta de conhecimento diante da realidade, surgiu a ideia de unir famílias de pessoas com autismo para dar apoio e suporte. Marisa, que é uma das fundadoras da Associação de Amigos do Autista (AMA), juntamente com outros pais decidiram se reunir para construir uma proposta de futuro que amparasse seus filhos, e proporcionasse a eles maior independência, autonomia e inclusão social.
Pessoas com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), por apresentarem características centrais como dificuldades sociais e de comunicação, estão sujeitas a um comprometimento do desenvolvimento cognitivo e de linguagem. Desse modo, podem desenvolver tipos leves, moderados ou graves de deficiência intelectual ou dificuldades de aprendizagem específica. A Organização Mundial de Saúde estima que 1 em cada 160 crianças tenha Transtorno do Espectro do Autismo no mundo. Ainda há carência de estudos que apontem esta estimativa para a população brasileira.
Nos últimos anos, muitos foram os avanços no campo dos direitos das pessoas com Deficiência, sobretudo às pessoas com Transtorno do Espectro do Autismo. Com a instituição da Lei nº 12.764 em 2012, a pessoa com transtorno do espectro do autismo passou a ser considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais, o que confere a estas pessoas o direito ao acesso a várias políticas e benefícios sociais.
No âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), o acesso às ações e serviços de saúde devem ser assegurados de modo a garantir o diagnóstico precoce, o atendimento multiprofissional, os medicamentos e as informações que auxiliem no diagnóstico e no tratamento. Todo projeto terapêutico para a pessoa com Transtorno do Espectro do Autismo precisa ser construído com a família e a própria pessoa. Deve envolver uma equipe multiprofissional e conter proposições que possam melhorar a qualidade de vida.
Marisa Furia, mãe de Renato, acredita que teve “sorte” de ter tido o diagnóstico do filho tão cedo e destaca os avanços nas políticas referente à identificação e diagnóstico precoce do transtorno. “Ninguém sabia direito como lidar com essas crianças e desde o começo, a nossa briga, foi para que criassem políticas públicas para eles. Hoje a gente já consegue diagnosticar muito rápido e eu acho que isso é fundamental. O retardo no diagnóstico da criança vai impactar a condição de ter uma melhora de vida. Os pais precisam saber qual é o problema que seus filhos tem”, explica Marisa.
A partir de um diagnóstico ou da identificação de sinais do Transtorno do Espectro do Autismo, é possível iniciar a intervenção e a orientação à família gerando ganhos significativos e duradouros no desenvolvimento da criança, garantindo assim uma vida mais autônoma e uma melhor qualidade de vida. Para isso, é fundamental que os serviços de saúde estejam preparados para atender às especificidades das pessoas com autismo.
Ao mesmo tempo, é importante lembrar que as classificações diagnósticas devem estar sempre abertas para serem aperfeiçoados, pois são mutáveis ao longo do tempo, e só adquirem sentido se utilizados no contexto de um processo diagnóstico contínuo e complexo que coloque sempre em primeiro lugar a pessoa e não o seu transtorno.
Nesse sentido, um indivíduo “com” TEA não “é” um “autista”. Um rótulo classificatório estigma não é capaz de captar a totalidade complexa de uma pessoa, nem, muito menos, a dimensão humana irredutível desta.
Cuidado em Rede
Em 2012, foi instituída a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência cujos objetivos são ampliar o acesso e qualificar o atendimento às pessoas com deficiência; promovendo a vinculação das pessoas com deficiência e suas famílias aos serviços do SUS; garantir a articulação e a integração dos pontos de atenção da rede de saúde no território; promover cuidados em saúde especialmente dos processos de reabilitação; promover a reabilitação e a inserção ou reinserção das pessoas com deficiência, por meio do acesso ao trabalho, à renda e à moradia solidária, em articulação com os órgãos de assistência social, entre outros.
A Atenção Básica funciona como porta de entrada do SUS e desempenha papel fundamental para a identificação de sinais iniciais de problemas ou suspeita de autismo, possibilitando a intervenção precoce, proporcionando maiores ganhos funcionais e qualidade de vida. Aqui se encontram as Unidades Básicas de Saúde e de Saúde da Família, além das Equipes do Núcleo de Apoio à Saúde da Família, que ampliam a efetividade de ações das equipes de Atenção Básica, incluindo as ações para a identificação precoce para o Transtorno do Espectro do Autismo.
Diante da grande variedade das manifestações, uma ampla oferta de possibilidades de tratamento constitui uma importante estratégia na atenção às pessoas com Transtorno do Espectro do Autismo, respondendo de forma mais adequada aos diversas graus de limitações funcionais.
Nesse sentido, no âmbito da atenção especializada, destaca-se o papel dos Centros Especializados em Reabilitação (CER) enquanto pontos de atenção ambulatorial especializada em reabilitação que realizam o diagnóstico e o tratamento em reabilitação, que inclui a estimulação precoce além da disponibilização, adaptação e manutenção de tecnologias assistivas. Todos os estados do país contam com CER habilitados pelo Ministério da Saúde a prestar atendimento em reabilitação, totalizando 187 CER em todo o país.
Os resultados do processo de reabilitação são percebidos e medidos por meio da melhora da funcionalidade do indivíduo, ao longo do tempo, que se traduz na participação e progressos em atividades cotidianas, tais como mobilidade, autocuidados em higiene, trabalho, mudanças no uso de recursos e comunicação. A melhoria da funcionalidade repercute em uma melhor qualidade de vida do indivíduo.
Cabe ainda aos Centros Especializados em Reabilitação desenvolver estratégias terapêuticas direcionadas a reestruturar e compensar as perdas funcionais, como também prevenir ou retardar uma possível deterioração da capacidade funcional, estando os processos de reabilitação focados nos processos cognitivos, de linguagem oral, escrita e verbal e da comunicação da pessoa com Transtorno do Espectro do Autismo.
Saiba onde encontrar Centros Especializados em Reabilitação próximo a você
Ao lado da Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência está a Rede de Atenção Psicossocial - RAPS Instituída pela Portaria GM/MS nº 3.088, de 23/12/2011, a RAPS prevê a criação, ampliação e articulação de pontos de atenção à saúde para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do SUS. Destacam-se como objetivos específicos: promover cuidados em saúde especialmente a grupos mais vulneráveis (criança, adolescente, jovens, pessoas em situação de rua e populações indígenas) e produzir e ofertar informações sobre direitos das pessoas, medidas de prevenção e cuidado e os serviços disponíveis na rede.
O CAPS é o serviço especializado da RAPS que oferecem cuidado às pessoas em sofrimento psíquico, tendo em vista promover a atenção psicossocial junto aos usuários do SUS, inclusive suas famílias. Também é função do CAPS ofertar apoio matricial às equipes de saúde da família e aos pontos de atenção às urgências, apoiando e subsidiando o processo diagnóstico, o acompanhamento direto das situações graves e se corresponsabilizando pela atenção às urgências.
O trabalho nos CAPS é realizado prioritariamente em espaços coletivos (grupos, assembleias de usuários, reunião diária de equipe) e o serviço deve se organizar tanto para ser porta aberta às demandas de saúde mental do território e de forma articulada com os outros pontos de atenção da rede de saúde e das demais redes. Dentre as atividades desenvolvidas no serviço estão as estratégias de reabilitação psicossocial que buscam promover e intensificar ações de fortalecimento do protagonismo de usuários e familiares da RAPS e outras iniciativas fundamentais para a garantia de efetiva participação social e de acesso aos direitos, como o acesso à cultura e à educação.
O trabalho nos CAPS é realizado prioritariamente em espaços coletivos (grupos, assembleias de usuários, reunião diária de equipe) e o serviço deve se organizar tanto para ser porta aberta às demandas de saúde mental do território e de forma articulada com os outros pontos de atenção da rede de saúde e das demais redes. Dentre as atividades desenvolvidas no serviço estão as estratégias de reabilitação psicossocial que buscam promover e intensificar ações de fortalecimento do protagonismo de usuários e familiares da RAPS e outras iniciativas fundamentais para a garantia de efetiva participação social e de acesso aos direitos, como o acesso à cultura e à educação.
Ao considerar as tendências ao isolamento, as dificuldades no contato com os outros e as limitações de comunicação como questões centrais para o cuidado, torna-se ainda mais importante o trabalho numa rede efetiva que trabalhe para ampliação dos laços sociais. Há necessidade de uma visão multidimensional não estereotipada das dificuldades apresentadas, que devem ser contextualizadas.
Possíveis limitações de fala não querem dizer que não haja possibilidade de escolhas. Um quadro de agitação pode expressar diferentes questões, como dor de dente ou uma reação a modificações na rotina. A família e a equipe de cuidado precisam estar atentos à singularidade de cada situação.
Atos que se apresentam muitas vezes sem lógica, de forma repetitiva, estereotipada, podem ser formas possíveis de estabelecer contato com o outro, não devendo ser necessariamente suprimidos. Se os atos são desconsiderados, acaba-se distanciando a possibilidade de participação da pessoa nos contextos sociais. Deve-se entender esses atos como tentativas desses sujeitos reagirem a estímulos ou situações, e desta forma, pode-se potencializar expressão de interesses e identificar habilidades a serem desenvolvidas.
Desde 2013, os profissionais da Rede SUS contam com dois documentos publicados pelo Ministério da Saúde: Linha de Cuidado para Atenção às Pessoas com Transtorno do Espectro do Autismo e seus Familiares na Rede de Atenção Psicossocial do Sistema Único de Saúde e as Diretrizes de Atenção à Reabilitação das Pessoas com o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA). Ambos, elaborados com a participação de gestores, especialistas, pesquisadores e entidades da sociedade civil, tratam do cuidado à pessoa com Autismo e suas especificidades dentro das Redes Temáticas: a Rede de Atenção Psicossocial e a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência.
- Acesse aqui o documento Linha de Cuidado para Atenção às Pessoas com Transtorno do Espectro do Autismo e seus Familiares na Rede de Atenção Psicossocial do Sistema Único de Saúde.
- Acesse aqui o documento Diretrizes de Atenção à Reabilitação das Pessoas com o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA).
Fonte: Gabrielle Kopko, para o Blog da Saúde
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