Conhecido pelo efeito protetor para o coração, o resveratrol pode ser a base de uma nova terapia para a doença de Chagas crônica, segundo estudo realizado pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Encontrada nas uvas – e, portanto, no suco dessas frutas e no vinho –, a molécula vem sendo estudada para diversas doenças que envolvem problemas cardíacos. Publicado na revista científica PLoS Pathogens, o trabalho, coordenado pela pesquisadora Claudia Neto Paiva, do Instituto de Microbiologia Paulo de Góes, da UFRJ, mostra que o resveratrol foi capaz de recuperar funções cardíacas em camundongos. Este efeito benéfico foi observado mesmo com tratamento iniciado de forma tardia, quando os animais apresentam sinais clínicos. Além disso, a molécula reduziu a quantidade de parasitos Trypanosoma cruzi, causadores da doença.
Considerando que o resveratrol é um suplemento alimentar, os cientistas entendem que a realização de ensaios clínicos para analisar o potencial do novo tratamento pode ocorrer em um futuro próximo. “O resultado foi acima do esperado: as arritmias e a queda de capacidade de bombeamento do coração foram revertidas pelo tratamento. Ou seja, os animais apresentaram melhora na sua condição. Como o resveratrol é um suplemento alimentar, esperamos que ele possa ser logo testado em humanos”, afirma Claudia. “Ainda serão necessários outros testes antes de avaliar a terapia em pacientes, mas o fato de o composto já ser considerado seguro é uma vantagem. Atualmente, o tratamento da cardiopatia chagásica busca controlar os sintomas da doença, porém não consegue impedir sua progressão. No estudo, observamos que o resveratrol interrompeu o agravamento e, até mesmo, reverteu alterações graves”, comemora a pesquisadora Joseli Lannes-Vieira, chefe do Laboratório de Biologia das Interações do IOC e autora do estudo. O artigo publicado tem entre os primeiros autores a doutoranda Glaucia Vilar Pereira, orientada por Joseli no Programa de Pós-graduação em Biologia Parasitária do IOC.
A doença de Chagas afeta entre seis e sete milhões de pessoas no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Muitos casos são descobertos apenas após anos de infecção, quando cerca de 30% dos pacientes já apresentam problemas cardíacos. Na fase crônica, pesquisas apontam que combater os parasitos não é suficiente para reverter as lesões no coração.
Benefícios do resveratrol
Os testes foram realizados com camundongos considerados modelos de estudo da fase crônica que, após a infecção pelo T. cruzi, apresentavam sinais clínicos semelhantes a de pacientes nos estágios B1 e B2 da doença – quando os problemas cardíacos estão estabelecidos, mas ainda não há sinais de insuficiência cardíaca. Além de impedir o agravamento da enfermidade, o resveratrol melhorou a frequência cardíaca e reduziu em 35% a ocorrência de arritmias e em quase 50% a presença de outros problemas de condução elétrica no coração. Em 30% dos casos, os animais passaram a apresentar resultados de eletrocardiograma normais após o tratamento. Exames ecocardiográficos também comprovaram que o resveratrol reverteu a dilatação do coração, recuperando a capacidade de bombeamento do sangue, o que foi observado mesmo quando a terapia começou de forma tardia.
Ação contra 'estresse oxidativo'
Os pesquisadores atribuem os benefícios cardíacos à propriedade antioxidante da molécula. As análises mostraram que o resveratrol reduziu a quantidade de moléculas chamadas de ‘espécies reativas de oxigênio’, que são produzidas pelas células cardíacas para combater o parasito. Quando esta produção atinge uma quantidade excessiva, ocorre um quadro conhecido como ‘estresse oxidativo’, em que as próprias estruturas celulares são danificadas, prejudicando a função cardíaca.
A importância de se combater o ‘estresse oxidativo’ fica clara quando diferentes tratamentos são comparados. No tratamento baseado na administração de benznidazol – medicamento que age contra o T. cruzi –, houve redução da quantidade de parasitos, porém sem reversão dos danos cardíacos. Já na comparação com duas terapias diferentes baseadas em moléculas de ação antioxidante – o fármaco metformina, usado no tratamento da diabetes, e o composto tempol, investigado em diversas pesquisas –, os efeitos cardioprotetores foram semelhantes aos do resveratrol. A metformina e o tempol, no entanto, não atuam na eliminação dos parasitos, enquanto o resveratrol combina a ação benéfica sobre o coração, por suas propriedades antioxidantes, com a redução da presença do parasito.
Próximas etapas
Entre os pontos importantes que ainda precisam ser avaliados antes da realização de testes com o resveratrol em pacientes está a definição de um esquema de administração oral eficaz e de associações com outras substâncias. “O uso de antioxidantes em terapias tem um histórico de dificuldades, possivelmente em função das moléculas escolhidas e da sua baixa vida média [tempo de permanência no organismo]. No estudo, utilizamos principalmente a administração intraperitoneal [por injeção], mas também tivemos resultados bons com um protocolo de administração oral, que pode ser melhorado. Queremos testar o funcionamento do resveratrol oral associado com piperina, para aumento da vida média, como se faz em suplementos alimentares”, comenta Claudia. “Diversos estudos apontam que consumir resveratrol através do suco de uva ou do vinho pode fazer bem ao coração de forma geral. Porém, para garantir que a molécula tenha o efeito desejado no tratamento da cardiopatia chagásica precisamos determinar as doses adequadas”, reforça Joseli, acrescentando que devem ser avaliados também o impacto do tratamento em estágios mais avançados da doença e a evolução do quadro após a interrupção da terapia.
O estudo teve financiamento do Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde (DECIT/MS), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).
Fonte: Blog da Saúde - Maíra Menezes (IOC/Fiocruz)
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